Sinais de (re)caída e portas de saída
02:26
Doutor,
saí da escola e vim diretamente para casa. Hoje percebi uma coisa e tenho de
contar-lhe. Nunca escrevi uma carta por isso desculpe os erros e a minha forma
simples de dizer as coisas difíceis. O objetivo é deixar sair as palavras do
coração não importa como e de que forma. Ouvi hoje a diretora de turma a dizer
que eu era um jovem bom mas que os meus olhos mostravam uma tristeza profunda.
Ela disse-me que notava-se que eu não
tinha uma boa conversa há muito tempo, disse-me que eu tinha
coisas travadas que precisava de soltar.
Na
altura fiquei revoltado com ela por estar a falar de mim em voz alta mas fiquei
calado. Quando saí, ela voltou a chamar-me a sós e deu-me um abraço e disse-me
que não podia desistir dos meus sonhos, que a
dor de hoje era a força de amanhã. Como um raio de sol
recordei-me de vocês. Vieram todas as memórias do tempo que passei na ART. As
suas palavras desbloquearam todos os meus medos atuais: medo de não ser feliz, medo de não
poder ser um bom pai, medo de não encontrar um amor verdadeiro, medo de não ter
um trabalho digno, medo do próprio medo. Vim a correr para casa. Tinha de vir
escrever estas linhas para vocês. Só agora, após estes meses, entendo que o que
vivi aí foi amor incondicional.
Só
hoje entendo os nãos que me doíam tanto! Só entendi agora quando me diziam que
se não mudasse de atitude não seria alguém. Admito que saí da Reabilitação
revoltado, a pensar que perdi um ano da
minha vida, pensava que a minha vida começaria quando tivesse a minha alta.
Mentira, só começou agora!
Se
não fossem vocês ia cair. Aprendi os sinais que sempre me explicaram: estava mais triste, já não dava um abraço à minha
mãe há quase duas semanas, não visitava a minha avó
desde os anos dela. Estava a ignorar estes sinais. Nos últimos dias enviei 200
pedidos de amizade no facebook a miúdos que estão na má vida (uma parte de mim queria encher a cabeça).
Até já tinha aderido ao grupo privado do facebook das party’s y afters.
Ai
doutor, se eu não tivesse ido
às aulas hoje e ouvisse a diretora de turma que seria de mim?! A
forma de falar dela e sobretudo o abraço gratuito era igual ao vosso. O sorriso
verdadeiro fez-me lembrar aquele que me deu no dia de natal quando eu estava
tão triste.
Obrigado
a todos pelo bem que me fizeram. Eu só vos desiludia e vocês em vez de me
virarem as costas como fez o meu pai, acreditavam mais em mim. Obrigado. Mesmo
do coração. São a família exemplar que nunca tive, as referências que sempre
precisei. Obrigado. Vou ligar-vos todos os dias a dizer como estou e o quanto
gosto de cada um. Já liguei para o treinador de futebol, vou retomar os treinos
e ser campeão. Obrigado. Vou ser aquilo que sempre me propus a ser. Vou encher
de beijos a minha mãe, encher de beijos os meus avós. Vou voltar a estar com os
meus amigos de infância e a orgulhar-vos. A ART faz milagres na vida de pessoas
como eu. Eu não sou má pessoa,
apenas fiz coisas más. Sou um guerreiro. A dor de hoje é a
força de amanhã. Abraço aos jovens da comunidade. Não desistam, nunca.
A travessia pressupõe uma coragem e uma vontade |
0 comentários